Florianópolis é uma cidade tão bonita e de gente tão querida que chega a ser paradoxal que tenha recebido esse nome logo após o fuzilamento de mais de 200 pessoas em Santa Catarina – e para piorar, a cidade foi batizada justamente em “homenagem” a quem mandou fuzilar.
Se você conhece a história por trás do nome de Florianópolis, já sabe do que estou falando (mas fica à vontade para continuar lendo se quiser, porque… sei lá, esse texto tem muito gif e umas curiosidades). Se não conhece, vamos descobrir agora.
De onde surgiu o nome “Florianópolis” (e de que massacre você tá falando?)
Era uma vez, em 1889, um Brasil se tornando República. E se engana quem pensa que esse é um começo bonito para a história: nosso país deixou de ser monarquia por um golpe militar movido por interesses de determinados setores influentes do país. Não foi feita a “vontade da população”, porque boa parte da população ou não sabia, ou não queria, ou nem entendia direito o que era República – e também não sabia o que raios estava acontecendo no dia 15 de novembro. Uns canhões, uns caras nuns cavalos proclamando qualquer coisa, evento estranho. Muita gente achou que era só uma parada.

Quem resumiu isso tudo muito bem foi o jornalista Aristides Lobo, que inclusive era republicano, e descreveu o evento exatamente assim, num artigo publicado no Diário Popular em 18 de novembro de 1889: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada”.
Além disso, Dom Pedro II também estava longe de ser um sujeito impopular. Aliás, em comparação com o período regencial que os brasileiros tinham vivido antes, o Segundo Reinado era o “paraíso“. E se continuarmos as comparações, Pedro II também era praticamente um anjo de candura perto de seu pai. Mais ponderado, com uma capacidade impressionante de articular entre liberais e conservadores, equilibrando bem o jogo de poder (até porque ele foi treinado desde pequenininho para isso), admirado por muita gente (entre elas Victor Hugo, Darwin, Nietzsche, Louis Pasteur e mais uma porrada).

Mas bom, resumindo de forma muito porca, aconteceu isso aí: o Brasil virou República, Pedro II teve que sair do país, foi lá pra Europa, morreu num hotel em Paris (o hotel inclusive existe até hoje e tem uma placa que fala disso, esse aqui:)

Curiosidade bônus: se engana quem pensa depois de ver essa foto de um hotel lindo que ele era de gastar dinheiro horrores: Pedro II negou receber ajuda financeira do governo provisório do Brasil para prover o sustento da família imperial na Europa e não achava justo usarem o tesouro nacional dessa forma. Daí ele ainda foi punido por não aceitar (???) e baniram a família real por muito tempo do país, retirando também os imóveis que eles tinham no Brasil e impedindo de terem outros. Foi só no governo de Epitácio Pessoa, em 1920, que a lei que baniu a família Imperial foi suspendida (mas aí todo mundo já estava morto ou doente/quase morrendo).
E aqui estou eu há vários parágrafos falando de curiosidades do Brasil se tornando República e você se perguntando “quando essa daí vai contar sobre o nome de Florianópolis?”

Mas a gente tá chegando lá. As histórias vão se entrelaçar.
Agora sim: o nome de Florianópolis
Após a (breve) presidência de Deodoro (e breve porque ele não aguentou mais tanto zaralho que ocorreu no país desde a proclamação da República, a pressão da oposição e renunciou), o seu vice, Floriano Peixoto, assumiu o poder e se tornou o segundo presidente do Brasil.
Herdou assim todo o furdunço que já rolava em nosso país desde o governo de Deodoro (o encilhamento, uma economia lascada e muita guerra civil explodindo no país todo) e como se não bastasse, a posse de Floriano, de bônus, causou mais furdunço ainda: muita gente não achava que era legítimo Floriano se tornar presidente e defendia que seriam necessárias novas eleições de acordo com o previsto na Constituição em vigor na época (a de 1891, nossa segunda).
Mas Floriano não quis saber e não convocou eleições coisa nenhuma.

Eclodiram revoltas em muitos cantos do Brasil, e não sei você, mas quando falam “revolução” no Brasil, eu acabo pensado involuntariamente ou em Pernambuco, ou então no Rio Grande do Sul – mais especificamente penso em “homens de bombacha tomando chimarrão em cima de cavalos” – e você?
Uma das muitas revoltas, então, e das mais impactantes, foi a Revolução Federalista, que começou em 1893 – onde? Onde? Adivinhou, no Rio Grande do Sul.
“Mas Florianópolis não fica no Rio Grande do Sul, sua bocó”
Eu sei, querida pessoa afoita e ávida pela história de Florianópolis (e muito paciente de ter lido até aqui, obrigada), mas no meio de todo o zaralho da Revolução, invadiram Santa Catarina. Vamos falar disso agora.
A Revolução que não começou em Santa Catarina – e como ela chegou em Florianópolis
Em uma síntese bem porca: a galera que iniciou a Revolução Federalista não estava satisfeita com o presidente que foi eleito para o Rio Grande do Sul: Julio de Castilhos. Também não estava satisfeita com Floriano no poder (e Júlio de Castilhos e Floriano se apoiavam). E enfim, não estavam satisfeitos com muita coisa, pronto, vamos botar assim.

Enquanto a Revolução Federalista estava rolando, rolava ao mesmo tempo outra revolta igualmente movida pela insatisfação com o governo de Floriano, a Revolta da Armada.
Daí em determinado ponto desse zaralho todo, porque você deve estar querendo um resumo, a galera das duas revoltas se juntou, praticamente fazendo uma fusão Dragon Ball de revoltosos e invadiu o Paraná e Santa Catarina, tomando a cidade de Desterro.

Mataram um monte de gente. E aí Floriano respondeu matando mais um monte de gente, claro. E aí os revolucionários mataram mais gente. E Floriano mandou matar mais. E no fim disso tudo, os revoltosos não conseguiram o que queriam, porque Floriano continuou no poder e o que conseguiram foi um monte de gente morta, degolada e fuzilada.
E é agora que entra a surrealidade do nome de Florianópolis.
(Muita) gente fuzilada numa ilha de Santa Catarina
Floriano não era chamado de “Marechal de Ferro” à toa, e as ordens eram de fazer qualquer coisa que tivesse que ser feita para acabar com as revoltas. E o que entenderam que deveria ser feito, era “sair matando um monte de gente, inclusive inocentes” claro.
E isso foi feito. O cenário do fuzilamento de mais de 200 pessoas que mencionei no começo desse texto foi a Ilha de Anhatomirim. Esse chuchu de ilha aqui, que tem um Forte até hoje, na época a prisão dos revoltosos:

Floriano, nesse “modus operandi”, conseguiu estancar a Revolta da Armada e a Revolução Federalista com sucesso e um saldo de muitas mortes (inclusive de inocentes que não tinham nada a ver com nada).
E pouco tempo depois, simplesmente mudaram o nome da cidade de Desterro para Florianópolis, que significa “cidade de Floriano”, em homenagem ao ditador que mandou matar uma porrada de gente em Santa Catarina.
Fim.
(Parece até piada/que eu estou de sacanagem, mas é realmente a história do nome de Florianópolis).
Termina aqui essa história de uma cidade maravilhosa com um nome que não faz jus à beleza e invoca mortes horrorosas, e se quiser fica à vontade para mandar nos comentários o que achou, se já sabia, se gostou de ler, qual foi sua curiosidade ou imagem preferida e em qual mesa naquela foto você acha que Dom Pedro II devia sentar durante o café da manhã? Ainda tô curiosa.
[Esse texto obviamente foi um baita resumo de vários acontecimentos históricos relevantes, então se você for um bichinho curioso como eu e quiser saber mais, tem alguns livros – inclusive uns gratuitos ou absurdamente baratos – sobre o tema, como “A memória na Revolução Federalista: diários de guerra e apontamentos de quem viveu o conflito” – é só R$ 9,90 pra comprar ou gratuito para quem assinar o Kindle Unlimited. Se tiver outro para recomendar, pode enviar nos comentários também]
Até o próximo post.

Dessa eu não sabia! Parabéns. Texto bastante informativo, divertido e repleto de curiosidades
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Muito obrigada, Jônatas, fiquei super feliz com teu comentário!
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Grande história de nossa linda gente e.pacifica a merce da ganancia da politicalha toda!!!!Temos ainda a história mais antiga e.intrigante do Brasil!!!!E negligenciada ate.hj!!Nossos antepassados com suas inscrições rupestres ,as intrigantes pedras nas observações solares e espaciais!!!Os sambaquis!!!e.muito.mais.outras evidências milenares!!!Escritas e etc …mas.negligenciada porque????abracao
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Gostaria de saber porque Carga d’água não mudam o nome dessa cidade.
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Amei issoKKKKKKKKKKKJ entendi mais q os outros textos, foi bem informativo e engraçadoKKKKKKKKJK obrigadaaa!!
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Bom dia, ontem estava no tribunal de justiça de Santa Catarina onde visitei o museu de lá, e me surpreendeu que o historiador responsável de lá disse que Florianópolis a época de Floriano Peixoto era a segunda capital do país. Acho que deveria puxar essa parte da história a fundo e expor. Fora este comentário, parabéns pelo texto do site.
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adorei o resumo muito legal. da até gosto de ler,e os Gifs ajudam a entender o que aconteceu,tipo aquele da fusão.
obs.: eu acho que ele tomava café numa mesa do canto ali por perto da janela.
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Eu já conhecia a história de Desterro e do Massacre de Anhatomirim, mas o texto está muito bem escrito, com humor na medida certa e muita informação. Parabéns.
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Que coisa boa ler isso, Gildo! Muito feliz que você gostou mesmo já conhecendo a história, obrigada pela leitura e o comentário!
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Como gaúcho e já tendo lido sobre “nossas” revoluções e ler o teu sempre magnífico texto – eis uma forma maravilhosa de introduzir a história em nosso cotidiano e quem sabe instigar a consciência crítica. Impagável os olhos de D. Pedro II se lascando. Tu és fantástica. Um beijo e grande abraço.
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Como foi bom ler esse comentário! Muito obrigada, de coração! E sim, é impressionante como vocês gaúchos são ricos em história!
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Teus posts não têm entrado em meu leitor/e-mail. Fico preocupado contigo, com tudo o que está acontecendo. Tu estás bem? Se precisares escreve iamfer54@gmail.com o meu abraço carinhoso e cuide-se muito por favor.
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Ual, não fazia ideia de nada disso! Queria ver a reação do Major Floriano ao saber que seu nome sério foi reduzido a Floripa, bem mais carinhoso; e talvez fofo. Algo me diz que ele não iria gostar he he
Parabéns pelo texto bem humorado apesar da história trágica! 👏
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Floripa é “fofo” mesmo, bem observado! Hahahaha muito obrigada pelo comentário, bom ler isso!
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Menina, como você escreve bem. É uma delícia ler seus textos!
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Muito obrigada, Zara, foi uma delícia ler esse comentário também! Volte sempre por aqui!
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Deveriam mudar o nome da cidade para Floripa.
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Seu texto é uma forma deliciosa de estudar história. Parabéns!
Seria ótimo um livro da história do Brasil com esta forma tão divertida e juvenil.
Adorei mesmo!
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Muito obrigada, Adriana, seu comentário me deixou feliz pra caramba! Volte sempre por aqui!
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Adorei! Muito divertido e informativo. Arrasou 🙂
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Muuuito obrigada, Luiza! 🙏 volte sempre!
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adorei o blog, otimos artigos.
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Muito obrigada, Eduardo, que bacana ler seu comentário! Volte sempre por aqui!
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Conheço bem essa história desde pequeno, Floriano era padrinho do meu bisavô rsrsrs.
Não diga que é uma síntese porca, vc resumiu muito bem e super agradável!
Mas te entendo, as entrelinhas dessa história é sensacional.
É o início dessa zona toda que vivemos!
“Não entendo como se estabeleceu no Brasil uma República, tendo os senhores um soberano tão filósofo, idealista e bondoso” Theodore Roosevelt
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Caramba, que incrível devia ser ouvir a história diretamente do seu bisavô com uma proximidade tão grande com ela, e que comentário mais bacana o seu, adorei ler isso! Obrigada e volte sempre por aqui! Roosevelt foi mesmo sagaz na observação.
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Escutava do meu avô, não conheci meu bisavô, sou novinho, tenho 43 anos kkkkk.
Tirando a parte histórica e falando da vida pessoal, segundo meu bisavô Floriano erá o tiozinho de poucas palavras, atencioso e que gostava de rosas…famoso cão que não late morte rsrsrs. E o mais louco é que meu avô casou (minha avó), com uma neta de um revolucionário.
Roosevelt erá muito sagaz
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Texto maravilhoso, muito divertido me senti mal por rir. Vou para SC no próximo feriado vou contar a todos sobre a história, parabéns pelo textooo 💖
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Que gostoso ler isso, muito obrigada pelo comentário, Ivana! Volte sempre por aqui!
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Ótimo texto, com riqueza de informações e muita destreza com a linguagem, nem tão frufruzenta como a maioria das matérias, nem tão coloquial ao ponto de ser imprecisa ou ambígua.
Melhor leitura que fiz nos últimos tempos.
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Que comentário delicioso de ler, Aristides! Muito obrigada, volte sempre por aqui!
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Belo texto. Você escreve muito bem!
Parabéns por contribuir para dissipar a ignorância sobre essa “ré pública”, com a qual nenhum brasileiro minimamente inteligente e informado se identifica.
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Muito obrigada, Sergio! Feliz de saber que gostou!
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Muito bom! Cheio de informação, de uma maneira descontraída. Curti e recomendo!
Sobre a cadeira, também acho que era aquela perto das plantas…
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Minha filha (12anos) me perguntou: por quê Florianópolis? Eu disse o beeem básico: por conta de um tal mal. Floriano Peixoto. Mas ela queria saber mais… então perguntei ao tio Google e ele nos trouxe teu texto. Amamos! Parabéns!
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Olá!
Gostaria de deixar aqui as minhas condolências e pesar, aos familiares desse genocida e ditador; “Floriano Peixoto”.Sou de Maceió AL, e tinha orgulho de ter um conterrâneo como presidente do Brasil cargo da máxima importante e orgulho para todos os Alagoanos.
Mas, me decepciono e me lastimo em saber que que o Sr. Homem de ferro como era conhecido; não passou de um pau mandado, assassino e covarde. Minha Solidariedade a todos de Florianópolis.
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