Como o “vício” em viajar pode te fazer mal (e ferir as pessoas ao seu redor)

Quando você gosta demais de algo (e isso provavelmente vale pra qualquer coisa na vida), 2 coisas podem te acontecer:

  1. você percebe a tempo que nada em exagero faz bem, ou…
  2. você se torna uma pessoa chata pra caramba.

É só lembrar daquele cara que tem “adoro viajar” no perfil de todas as redes sociais (até do Linkedin), e em quase toda reunião com os amigos que não vê há muito tempo, pega o celular e fica mostrando, por aproximadamente 37 minutos, fotos da última viagem que fez pra Penedo.

Sem ninguém ter pedido.

Não deixando ninguém mais falar sobre outro assunto.

viajar pode te transformar em uma pessoa chata
leia também: Como tirar fotos ruins na viagem (porque as boas todo mundo acha que já tira)

Mas se tornar chato ainda é uma possibilidade menos grave, perto de outras listadas a seguir.

Como identificar se o vício em viajar tem te transformado (pra pior)

1. Quando você se preocupa em fazer “contagem” de destinos visitados

Existe a pessoa que gosta de viajar. E existe a pessoa que transformou a vida inteira em uma grande meta de conhecer X países. Meta que sequer faz sentido, porque ela nem precisa ficar fazendo conta de quantos lugares conheceu, só precisa aproveitar as viagens.

Essa nova noia criada de “quantos países já conheci” acaba levando pessoas a fazerem viagens de 1 dia ou menos por países na Europa só pra marcar o “check”, a não voltarem pra destinos que se apaixonaram e gostariam de voltar, e a não curtirem com calma um lugar porque “tem que ir pra outro”.

E plot twist: ninguém tem que ir pra lugar nenhum.

A percepção de viagens como um prazer acaba, se você transforma viajar em uma espécie de obrigação moral.

E aquela ideia de “viajar te torna uma pessoa melhor” também vai por água abaixo, se você se prende em viagens pra enumerar, e experiências pra exibir, e não a momentos pra se viver em plenitude.

Sempre me pergunto, quando alguém faz lista de “X lugares pra conhecer antes dos 30” (?!), se a pessoa tá com alguma doença terminal, ou se tem alguém realmente cobrando dela esses números.

2. Quando você nega absolutamente todos os outros programas

Era uma vez Jurema. Ela era fissurada em doce de leite, tinha 4 gatos, e sabia assobiar o hino do Corinthians inteiro.

Mas na verdade a principal característica de Jurema era que ela recusava, de janeiro a dezembro, convites ao cinema, teatro, parque, todo e qualquer restaurante (e até um podrão), passeios de 3 reais, uma água de coco na praia, um sorvete de chiclete, ou ir pra algum lugar que exigisse pegar o metrô (porque a passagem tá cara mesmo).

O problema em economizar pra viajar é: …nenhum. Inclusive faço bastante isso.

Mas se você é como Jurema, e basicamente deixa de aproveitar 335 dias do ano na vida com as pessoas que ama, pra viajar por 30 (ou menos), isso pode ser indicativo de que tem algo exagerado aí.

O problema seria abdicar da vida, e não aproveitar momentos gostosos com quem importa, durante todo o ano, pra poder viajar por poucos dias dele.

E por falar nisso…

3. Quando viajar se torna mais importante do que as pessoas que você ama

Agora era uma vez a Gilberta, que namorava o Jandiscreuzo, e ambos conversavam muito sobre como gostariam de ir juntos pro Camboja.

Jandiscreuzo passava alguma dificuldade financeira  naquele momento, mas se empolgou com a ideia, e economizou dinheiro por 5 anos pra ir.

vicio em viajar

Um dia, Gilberta viu uma promoção muito boa de passagens pro Camboja.

Em uma data que Jandiscreuzo não poderia ir, porque estava de luto pela morte do pai.

Gilberta foi mesmo assim.

dicas sobre viajar sozinha
Essa é Gilberta

Jandiscreuzo, que economizava há 5 anos pra conseguir viajar pro Camboja com Gilberta, chorou o equivalente a 2 barris por uma semana ao ouvi-la dizer “tô indo sem você agora mesmo, não vou esperar nem 2 dias você se recuperar”, mas hoje ele namora Arlinda, que viaja com ele por todo o Sudeste Asiático. E que, principalmente, tem mais consideração pelos sentimentos dele do que por uma oportunidade de ir pro Camboja.

Se você já foi Gilberta na vida: talvez valha uma reflexão.

[Se você é chegado em histórias trágicas como a de Jandiscreuzo, leia também: A triste história da Carioca que amava São Paulo – mas não era recíproco]

4. Quando você não paga as contas, mas viaja pra Fernando de Noronha

Auto-explicativo.

4,5. Quando você cogita “largar tudo (até as contas mencionadas acima) e viajar”, porque acredita que essa é a resposta pra todos os problemas

Não arcar com as responsabilidades e enxergar viagens como fuga dos problemas só faz pessoas entrarem em uma espiral de (ainda mais) irresponsabilidade e problemas.

Muita gente que “larga tudo pra viajar” no fundo acredita que essa é a solução mágica pra absolutamente todas as intempéries da vida, todo vazio existencial que possa sentir, todo e qualquer questionamento sobre “qual o sentido da vida”. Mas depositar tanta esperança em viagens pode gerar um baque absurdo quando você volta delas pra realidade.

Com o tempo você descobre que a felicidade não está ali (nem em lugar nenhum que seja fora de você mesmo), e a depender do tamanho da esperança (ou dos investimentos) que depositou naquilo, o baque pode ser destruidor.

5. Quando você não tem outro assunto ou interesse

nao se torne uma pessoa chata com viagens como o pereira.jpg
Capitólio é incrível mesmo, mas o Pereira só fala disso nos últimos 5 meses

A questão aqui não é que alguns destinos não sejam merecedores de comentários, mas que você não consiga comentar nada além disso.

Ou quando você não tem muito interesse por qualquer outro tema, e não investe em outros aspectos da vida, que também mereceriam atenção e renderiam tantas alegrias quanto viagens.

6. Quando viajar te torna insensível à realidade

Dia desses vi um vídeo que deu até agonia: turistas de classe média alta, que pediam esmola porque “precisavam” dar a volta ao mundo.

“Precisar” dar a volta ao mundo já é algo estranho o suficiente. No dia que viajar por muitos países se tornar uma necessidade, a gente já pode dar reset no mundo, porque ele deu algum tilt bizarro.

Mas a questão que piora tudo é que eles pediam esmola pra viajar mais, em um país onde muitas pessoas precisavam de esmola pra comer, ou alimentar os filhos.

Às vezes essa onda de enxergar viagens como o “sentido da vida”, e todo aquele papo de não ver sentido no “dia a dia de rotina”, acaba insensibilizando muita gente à algo que realmente faz sentido na vida: amar e fazer o bem.

E pedir dinheiro alegando que “precisa” ir pro Salar de Uyuni, na cara de uma criança órfã desnutrida do Camboja, parece, no mínimo, um ato despido de amor ou de empatia.

[Leia também: 9 “verdades cruéis” sobre o instagram]

Resultado do “teste”

Não tem um resultado aqui, mas uma conclusão óbvia que chegamos juntos.

Se você gosta de viajar: só viaja.

Você não precisa dar um relatório de número de países conhecidos pra ninguém, você não precisa parar a reunião de família pra mostrar sua viagem, você não precisa abdicar da vida, você não precisa deixar de pagar suas contas pra ir, não precisa pedir esmola, e meu Deus, você sequer precisa viajar pra ser feliz. Você só vai se quiser, e se puder.

E se não for, tá tudo bem também.

Ninguém vai te julgar por isso. Viajar é definitivamente delicioso, mas existem outras coisas maravilhosas na vida que é importante valorizar também.


Se discordou/concordou/gostou/odiou/se identificou com o Jandiscreuzo ou a Gilberta, fica à vontade nos comentários! E você também pode fuçar o 1 viagem, 2 visões no facebookinstagram, além do youtube.

Até o próximo post semana que vem!

Leia também:

1. O lado bom e o lado ruim de viajar sozinha (ou “devo ir se Maria Carla não vai?”)

2. Lista de coisas que quem viaja muito não costuma fazer.

3. Como tirar fotos ruins na viagem (porque as boas todo mundo acha que já tira)

27 comentários sobre “Como o “vício” em viajar pode te fazer mal (e ferir as pessoas ao seu redor)

  1. QUE TEXTO MARAVILHOSO!!!!! ❤ ❤ ❤ ❤

    E vale não só pra viajar, mas pra um monte de outras coisas na vida. Adoro esse modo descontraído e divertido que você escreve! 😀

    P. S.: Na vida eu sou o Jandiscreuzo (melhor nome ever, vou roubar e colocar ele em algum personagem meu) kkkkkkkkkkkkk

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      1. Serião, adorei seu texto. 😁😊

        Quando colocar te aviso sim, pode deixar 😉😁
        Ainda não cheguei nessa fase do Jandiscreuzo pra ficar bem no final. 😂😂😂

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    1. Hahahaha BOA! O Jandiscreuzo era sensacional, se dedicando pra realizar o sonho com a Gilberta e até abdicando de COMER PUDIM por anos! Isso que é amor!
      Com certeza ele tá mais feliz agora!
      Feliz de saber que gostou, muuito obrigada pelo comentário! 😊🙏💓

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    1. Muuito obrigada, feliz mesmo de ler isso! ❤ Hahahaha é, acho que se copiar e colar o link do texto pra alguém que se identifique com um dos tópicos, já deve rolar uma polêmica! Obrigada novamente pelo comentário!

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  2. Adorei o texto. Adoro viajar, mas sei que não é a única coisa da vida. Tento hj colocar junto com outros planos, visitar amigos+ viajar, fazer curso em outra cidade, ir a um teatro e show bacana tbm em outro local. Utilizando meus finais de semana e não somente as férias. 🙂

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  3. Pra mim viajar é a resposta de todos os problemas SIM. Vc deveria respeitar e aceitar o fato de que pessoas se sentem livres fazendo o que elas mais gostam. Eu deixaria qualquer cara para visitar um pais, sinto muito se o parente dele morreu, na minha vida sou eu por eu mesma. Acho que você nunca entenderá isso porque tem o tal de apego família, amigos e blábláblá… Pra mim a única coisa que importa é viajar, eu trabalho em troca de comida e hospedagem, e assim me sinto feliz.

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    1. O texto trata de casos extremos, como turistas ricos pedindo esmola pra viajar ao lado de pessoas que precisam de esmola pra comer; pessoas que não tem nenhum outro interesse na vida a não ser viajar, pessoas que acreditam que quem viaja não tem problemas; ou viajar sem alguém que planejou por anos ir junto contigo praquele lugar, e ir sem ela justamente no momento em que a pessoa mais precisa de apoio. Não acho que o extremo deva ser estimulado, e já abordei os benefícios de viajar aqui
      e aqui.
      No mais, discordo que “família e amigos” sejam um “blablablá”. São fatores da vida que podem ser valorizados sem precisar abdicar das viagens. O texto é sobre equilibrar os fatores, e não eliminá-los. Obrigada pela leitura e volte sempre por aqui.

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  4. Conheço pessoas que necessitam sempre estar viajando…. para qualquer lugar. Importante é viajar. Naturalmente são pessoas problemáticas e – perdão! – fúteis. Pior que estas pessoas até se esquecem dos lugares por onde estiveram. Passam como cometas sem calda. Prefiro viajar pouco e realmente conhecer o local do que ter uma imagem superficial. Posso dar um exemplo na minha cidade: se vc só conhece Copacabana, Ipanema e Leblon, sinto muito; vc não conhece nada do Rio.

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    1. Obrigada por compartilhar sua impressão, Lucas! Não acho que todas as pessoas nessa situação sejam necessariamente problemáticas e fúteis, mas realmente é importante valorizar e curtir mais coisas na vida além de viajar (e até valorizar mais as próprias viagens), até pelo bem estar e qualidade de vida, senão as viagens ficam meio sem razão de ser mesmo. Obrigada pela leitura e comentário, volte sempre por aqui!

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